quinta-feira, 16 de maio de 2013

Ronnie James Dio - Parte 2





BLACK SABBATH

Em 1979, o Black Sabbath  completava uma década de atividades e planejava um ano repleto de comemorações, mas as coisas não iam nada bem para os ingleses. Com o fim de seu primeiro casamento, o vocalista Ozzy Osbourne se afundou nas drogas e não conseguia – sequer – segurar uma única apresentação sem cair duro no palco.



Segundo o próprio Tony, era frustrante ver o Queen de seu amigo Brian May brilhar com excelentes performances de Freddie Mercury, enquanto o Black Sabbath cancelava show após show por problemas com o vocalista. Fora isso, a banda havia se comprometido em lançar um novo álbum naquele ano, após os fiascos de Technical Ecstasy (1976) e Never Say Die (1978), mas nada havia sido escrito até então, dadas as condições precárias de Ozzy. Além disso, toda semana o guitarrista participava de reuniões estressantes com os executivos da gravadora para dar desculpas esfarrapadas.

Nessa época, a banda era empresariada por Don Arden, uma das pessoas mais inescrupulosas que já surgiu no meio musical. Existem histórias de que ele colocava várias notas de rodapé no contrato, com letras miudinhas e transformava a vida das bandas e artistas sob sua gestão em um inferno, inclusive com ameaças físicas.

Com muitos planos pela frente, Tony, o empresário Don Arden e sua filha e assistente, Sharon Arden (futura você sabe quem), com o consentimento dos demais integrantes, demitem Ozzy praticamente ao mesmo tempo em que Ronnie pediu demissão do Rainbow.

Mesmo sendo uma decisão unânime, a estrutura da família Black Sabbath ficou bastante abalada com a saída de Ozzy. O baterista Bill Ward deu diversas entrevistas onde disse não ter certeza se também continuaria, pois não dava para imaginar outro vocalista cantando os clássicos da banda. O baixista Geezer Butler, por outro lado, também estava com problemas de depressão e drogas e resolveu pedir um tempo para refletir sobre o que faria. Naqueles primeiros meses de 1979, o único integrante que queria mesmo seguir em frente era Tony Iommi e Sharon, em uma das maiores ironias da história, sugere “por que não tentar aquele rapaz baixinho que canta com o Rainbow?”. Outra pessoa que deu força para esta ligação foi Glenn Hughes, ex-baixista do Deep Purple e também grande amigo de Tony Iommi e Ronnie James Dio, na época.

Ronnie acabara de se casar com Wendy Dio quando se mudou para Los Angeles e os primeiros amigos do casal foram justamente Glenn Hughes e sua primeira esposa, Karen, em mais uma grande coincidência do destino.


SHARON E A IRONIA DO DESTINO

Infelizmente para Tony, ninguém atendeu aquele primeiro telefonema à casa de Dio, mas novamente o destino entra em ação e os dois se cruzam, em uma coincidência absurda, no Rainbow Bar & Grill em Los Angeles poucos meses depois. Esse lugar, aliás, deveria ser tombado como patrimônio histórico da humanidade. Imagina você, roqueiro dos anos 70, passear por lá um dia qualquer e dar de cara com Ritchie Blackmore, Ronnie James Dio e Tony Iommi de uma tacada só?

Tony, acompanhado de Sharon Arden, imediatamente chama Ronnie para conversar em sua mesa e explica o ocorrido com Ozzy e a atual situação do Black Sabbath.

Ronnie se identificava bastante com a proposta do Sabbath e já estava familiarizado com o material há bons anos. Lembre-se: muitas vezes, ele fechou apresentações do Elf com o cover de War Pigs ainda em 1971.
Neste primeiro momento, o pensamento de Tony Iommi não era ainda trazer Ronnie James Dio ao Black Sabbath, até porque ninguém sabia se a banda continuaria. A ideia seria um projeto, talvez um novo grupo com outro nome (uma das sugestões era apenas Sabbath) e ambos terminam a noite no palco do Rainbow Bar tocando algumas músicas e se divertindo.

No dia seguinte, Tony ligou novamente para Dio e pediu que ele fosse até sua casa em Beverly Hills, para brincarem um pouco em seu estúdio particular. O guitarrista mostrou a parte instrumental de uma futura música onde estava trabalhando, apenas um dedilhado lento seguido de um riff pesado e pergunta “o que você pode fazer com isso?”. Ronnie pediu um tempinho, saiu da sala e quando voltou, 10 minutos depois, estava com um escopo do que seria Children Of The Sea. Geezer e Bill Ward chegaram em algum tempo ao local, se apresentaram e ficaram impressionados com a técnica rápida de composição do vocalista ao ouvirem o resultado daquela primeira jam.




Enquanto negociava os valores do contrato de Ronnie com o empresariamento da Arden Management para o novo projeto, Sharon volta a ter contato com Ozzy e, para a surpresa de todos, engrena um namoro apaixonado com o ex-vocalista, enfurecendo seu pai e cortando a relação entre os dois por mais de 20 anos.

Ozzy passou os seis meses seguintes à sua demissão trancado em um quarto de hotel bebendo e usando drogas. Quando soube da entrada de Dio no Sabbath, afundou em uma depressão e passou a se referir à banda como “Geezer e os três italianos”. Foi Sharon quem o tirou da vida “boêmia” e deu rumo novamente à carreira solo do vocalista, usando seus conhecimentos e contatos.


SURGE UM NOVO BLACK SABBATH

Tratando de negócios agora diretamente com o malvado Don Arden, Tony decide convencer Bill e Geezer a seguir em frente com o nome Black Sabbath contando com Ronnie nos vocais, caso contrário, todos teriam de pagar uma grana violenta como multa por quebra de contrato ao papai de Sharon se a banda acabasse.

Mesmo com ressalvas, especialmente por parte de Bill, em outubro de 1979 o Black Sabbath entra em estúdio para a gravação daquele que seria um dos álbuns mais influentes da história da música pesada: Heaven and Hell.

Não se sabe ao certo se todo material foi escrito a partir da entrada de Ronnie ou se Ozzy chegou a participar de alguma coisa antes de sua demissão. Como já mencionei, a versão oficial é que nada estava pronto até a chegada do novo vocalista, tirando um ou outro riff.

O clima na banda durante as gravações não era dos melhores. Geezer também acabava de se divorciar e começou a faltar nas sessões de estúdio, sendo substituído pelo antigo baixista do Elf e Rainbow, o amigo de Ronnie, Craig Gruber.

Craig alega que muitas das linhas de baixo que foram para o álbum, bem como o clássico Die Young, são de sua autoria, mas nunca recebeu créditos por tal e os demais integrantes preferem não opinar a respeito. Apenas Tony, em uma entrevista, disse que Craig esteve realmente com eles “por um tempinho”. Em outro depoimento, Geezer Butler jura que tem em sua casa uma antiga fita de 1979 com Ozzy cantando uma versão preliminar do que se tornaria Die Young, o que confunde ainda mais a história, mas até hoje o tal cassete também nunca foi divulgado.





Outro que tocou baixo nas sessões de estúdio para quebrar um galho, foi Geoff Nicholls do Quartz, onde atuava como guitarrista e tecladista. Geoff, entretanto, confirma que seu posto como baixista foi provisório até a total recuperação e retorno de Geezer à banda. No fim das contas, ele acabou assumindo uma bem sucedida posição como tecladista do Black Sabbath nas gravações e turnês por mais de 20 anos.

Para piorar, Don Arden insistia que a banda intercalasse as gravações do novo álbum com a turnê comemorativa dos 10 anos, mas Tony e os demais rejeitavam a oferta: Dio teria de ser apresentado aos fãs com um novo trabalho de estúdio e não jogado na cova dos leões encarando um público furioso pela saída de Ozzy.


RONNIE X OZZY

O trabalho no estúdio com Ronnie era bem diferente do que na época com Ozzy. Para começo de conversa, o baixinho se tornou bastante perfeccionista após sua convivência com Ritchie Blackmore, enquanto Ozzy sempre foi mais desleixado, deixando com que os outros tomassem decisões por ele, mas cumprindo bem seu papel na hora de gravar as linhas vocais.

Entre 1969 e 1978, o principal escritor das letras do Black Sabbath era Geezer Butler, com um ou outro palpite de Ozzy. Com Ronnie e seu estilo mais profissional, as coisas eram diferentes. A partir de alguns riffs de Tony Iommi, ele já vinha com a idéia de algum tema na cabeça e o processo fluía cercando a idéia da letra, criando mudanças conforme a emoção que se queria passar. As músicas na fase Dio se tornaram, naturalmente, mais complexas e difíceis de reproduzir ao vivo.

O novo estilo de composição, claro, não agradava Geezer, que já não se sentia tão à vontade para trazer suas idéias e palpitar sobre determinados trechos. Ronnie, no entanto, entendia que o Black Sabbath nunca havia falado sobre dragões, castelos e reis, e tentou adaptar ao máximo seu estilo de composição para o que o fã esperaria de um trabalho dos ingleses.

Bill Ward, por outro lado, sofria com a ausência de seu melhor amigo Ozzy e problemas pessoais (sua mãe morreu bem na época em que a banda entrou em estúdio), e também esteve praticamente ausente em todo o processo criativo, se afundando na bebida. Em entrevistas recentes, ele confessa que mal se lembra das gravações no estúdio. Sua memória volta apenas ao período em que a banda já saiu para excursionar com o disco nas mãos.

Ronnie também estava se adaptando às mudanças em trabalhar com os novos integrantes, já de um nome consagrado. Nas palavras do próprio, Ritchie Blackmore, apesar da genialidade, nunca foi integrante de uma banda e estava sempre mais preocupado consigo mesmo. Já Tony Iommi é um cara que se preocupa com o bem estar do time e pensa primeiro no grupo. Esse fator foi fundamental para que, apesar de todos os problemas, o grupo encontrasse alguma disciplina e conseguisse cumprir o cronograma estabelecido. Martin Birch (esse é outro que merecia um especial sobre sua carreira) foi chamado para a produção.

O lançamento do álbum, em 25 de abril de 1980, foi um sucesso! Apenas na Inglaterra, terra natal da banda, o Heaven and Hell ganhou disco de prata em novembro e ouro dois anos depois. Foi o único álbum da banda a conseguir tal feito! O discão também foi o terceiro mais vendido da história dos caras (esse número é mundial, ao contrário do disco de ouro, que era apenas na Inglaterra). Se pensarmos que o clima não estava nada bom com as idas e vindas de Geezer e Bill e os problemas com Don Arden, o sucesso do álbum foi uma grande resposta a tudo e todos que duvidavam que o Sabbath poderia, sim, sobreviver à saída de Ozzy.

Quem olhava para as paradas de sucesso de 1980 também poderia ter uma surpresa um pouco confusa. Além do Heaven and Hell, outro disco do Black Sabbath constava na relação, um tal de Live at Last, que os próprios integrantes não sabiam de onde tinha vindo. A resposta é lamentável: um ex empresário da banda, Patrick Meehan, responsável pelos negócios dos ingleses até 1977, descobriu dois bootlegs de shows gravados em março de 1973 que estavam em boas condições para um lançamento comercial.

Ainda querendo tirar mais uma casquinha do nome Black Sabbath e sem o consentimento dos integrantes, Patrick compilou os bootlegs em um único volume, produziu o material e lançou o álbum por uma gravadora desconhecida alardeando tratar-se da última apresentação de Ozzy com a banda, uma mentira cabeluda que confundiu muita gente durante décadas.

Após diversos processos judiciais e dores de cabeça, a banda teve acesso ao material e lançou o disco de maneira oficial em 2002, com o nome de Past Lives.


DIO E OS CHIFRINHOS



O primeiro show com Ronnie James Dio nos vocais ocorreu em 17 de abril de 1980, na Áustria, uma semana antes do lançamento do álbum. A turnê continuou pela Europa até julho, de onde seguiu para os EUA, ao lado dos americanos do Blue Öyster Cult na famosa Black & Blue Tour, que durou até novembro, para depois invadir o Japão, Austrália e fechar o ano com mais algumas datas na Inglaterra.

Os primeiros shows desta turnê trouxeram uma marca que definiria o Heavy Metal nos próximos anos: os famosos chifrinhos com as mãos.

A história sobre quem inventou os chifrinhos é bastante confusa e cheia de ramificações. Um fato é claro: não foi Ronnie James Dio quem inventou os chifrinhos no meio musical, mas foi quem o popularizou durante sua passagem pelo Black Sabbath.

Não se sabe ao certo quando e onde o gesto foi criado, mas foi provavelmente na Grécia antiga, pois aparece em algumas pinturas de 2.000 anos atrás, mas existem relatos de que é usado há muito tempo, especialmente na Europa e, mais especificamente, Itália (lembre-se de que grande parte da cultura italiana deriva da grega), como forma de espantar mal olhado. Lá, o mal olhado (ou olho gordo, depende da região do Brasil onde você vive) tem o nome de malocchio e os chifrinhos, (corna), seriam a maneira de combatê-lo.

Com o passar do tempo, o gesto foi “apropriado” por escritores e investigadores do universo místico e oculto. Durante o fim do século XIX e primeira metade do século XX, os chifrinhos apareceram em obras de Bram Stoker, Aleister Crowley e Anton LaVey, o fundador da igreja de Satã.

Entre bandas, a primeira aparição “pública” foi com John Lennon, no encarte e capa do álbum Yellow Submarine dos Beatles, lançado em 1969. Na época, no entanto, o chifrinho não tinha nada a ver com o capeta e o símbolo significaria a palavra “amor”. Segundo o roadie da banda, Tony Bramwell, John começou a usar regularmente o gesto após ler algumas obras do ocultista Aleister Crowley no começo do ano anterior, mas o símbolo realmente significaria um gesto de amor e carinho. Esse gesto era um pouco diferente da corna italiana, pois tinha o dedão esticado, ao contrário do que viria a ser popularizado por Ronnie depois, que mantinha o dedão encolhido.

Ainda em 1969, outra banda norte-americana que seguia os preceitos de Crowley, chamada Coven, aparecia na capa do álbum Witchcraft fazendo os mesmos gestos. O som deles nada tinha a ver com Heavy Metal, estava mais para um Jefferson Airplane, mas a vocalista Jinx Dawson gostava de simular uma sessão de magia negra no início e final dos shows e os chifrinhos faziam parte do espetáculo.
A principal diferença para os shows atuais é que o gesto de Jinx era unilateral, ou seja, partia apenas da banda para o público, sem o efeito reverso que aconteceria mais de uma década depois. Apenas como curiosidade, o Coven continua em atividade e assumiu sua postura satanista, além de fundadores da música gótica, segundo a própria vocalista em seu Myspace.

Já nos anos 70, Gene Simmons aparece fazendo o gesto na capa do álbum Love Gun do Kiss em 1977. No ano anterior, o Sister, banda formada por Blackie Lawless (que depois estouraria com o W.A.S.P.) e Nikki Sixx (que ganharia milhões com o Mötley Crüe), usava pentagramas invertidos nos cenários que montava para seus shows e os integrantes saudavam a platéia com chifrinhos, na melhor tradição “Coveniana”.

Ronnie, com certeza, conhecia o trabalho de Aleister Crowley, LaVey e os significados que poderiam vir com os chifrinhos, mas em todas as entrevistas que deu, sempre declarou que a principal influência para sua utilização foi a sua avó italiana e o lance de espantar mal olhado mesmo.

O ponto é que o vocalista foi inteligente unindo o útil ao agradável: a principal temática lírica do Black Sabbath sempre envolveu o capeta, guerras e reflexões depressivas sobre a vida com as quais tanta gente se identifica. O corna, com sua aparência clara de dois chifrinhos, poderia ser relacionado tanto às letras obscuras (o símbolo de Lúcifer), quanto uma forma de quebrar a energia negativa que talvez cercasse o ambiente, caso você acredite nisso.

Vou além, Ozzy ajudou a popularizar o gesto de paz e amor formado pelos dedos indicadores e do meio, eternizado na capa do Volume 4, em paralelo com o seu “We love you all!”. O fato é que a banda precisava de um novo símbolo padrão com Ronnie e o corna se encaixava perfeitamente na situação. O que ninguém esperava é que o símbolo se tornasse uma marca registrada do Heavy Metal em si e se espalhasse como água nos primeiros anos da década de 80.

Se você pega vídeos de apresentações de bandas em 1982 (repare nesse abaixo do próprio Sabbath), percebe que o gesto já estava eternizado pela audiência. É como se o público estivesse esperando algo nesta linha para ser adotado.



O palco para esta turnê do Black Sabbath também trazia algumas novidades. Entre elas uma cruz gigante que pegava fogo durante a execução de War Pigs. Por falar no setlist das apresentações, a banda foi bastante inteligente ao mesclar material antigo com o novo álbum que vendia bem. O repertório padrão abria com War Pigs e seguia com Neon Knights, N.I.B, Lonely is The Word, Sweet Leaf, Children Of The Sea, Black Sabbath, Heaven and Hell, Iron Man, Sabbath Bloody Sabbath, Orchid, Die Young, Paranoid e Children Of The Grave. Um verdadeiro sonho para qualquer fã atual que deve se lamentar profundamente por não ter nascido 20 anos antes em um país da Europa para ver esses shows (eu sou um deles).

FIM DA SEGUNDA PARTE

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